Morávamos numa casa de dois quartos, um banheiro, uma sala e uma cozinha razoável no Balneário das Gaivotas, em Itanhaém. Essa é a primeira casa em que tenho lembranças nítidas da infância - o quintal com as galinhas, a horta grandona, o cachorro vira lata deitado na sombra do chapéu de sol o dia inteiro, as gaiolas com codornas, o balanço na árvore, o cacto gigante que eu jurava ser habitado por gnomos e a piscininha de lona. Eu amava aquela casa de todo meu coração, mesmo dividindo o quarto com minha irmã e meu sobrinho neném, mesmo que a gente não tivesse um sofá na sala e que a única TV ficasse no quarto dos meus pais e a gente se espremesse na cama para assistir. Não sei quanto tempo moramos ali, mas era uma boa casa.
Nos mudamos em 1996 para outra casa no mesmo bairro, mais perto do comércio dos meus pais, mas foi uma mudança apressada, daquelas que a casa estava no contra piso e sem telhado, muita coisa sem terminar e isso foi frustrante - não só para mim, criança que sonhava com uma casa linda, mas para minha mãe, que tinha dificuldades em aceitar que o projeto, o piso, etc., não eram o que ela gostaria. Eu brinco que mudamos para aquela casa de azulejos baratos e sem acabamento pensando em melhorias que nunca aconteceram. Demos “jeitinho” em tudo e no fim a casa ficou para sempre inacabada, mesmo que meu pai ainda more lá.
Quando saí dessa casa, seis meses após a morte da minha mãe, eu morei com uma tia, depois com minhas amigas, namorado, amigas novamente, enfim, dei voltas e voltas. Nenhuma casa ou apartamento depois daquela primeira casa me fazia sentir confortável, sempre me senti uma visita na minha residência - ainda que me acostumasse o suficiente para dormir e fazer cocô, o que geralmente demorava meses, nenhuma daquelas casas era mesmo minha.
Não amei nenhum daqueles espaços.
Em abril desse ano entramos no apartamento em que estou agora. O piso de taco estava manchado e eu não tinha certeza se gostava muito dos armários e da disposição da casa. Até que saiu a carta de crédito e esse apartamento seria realmente nosso - meu e de meu companheiro de vida - e eu teria de novo um teto em cima da cabeça. Lembro que a primeira noite depois da mudança veio com uma tranquilidade que eu não experimentava desde que era criança, desde que sai de uma casa que amava para a casa sempre inacabada e depois para tantos lugares que eram de outras pessoas. Eu estava novamente em um lar.
No lugar que me convém. O teto para me abrigar de qualquer tempestade, onde vou criar meu filho, onde dá para deitar no chão da sala, nos armários que vão ser reformados aos poucos, porque agora dá tempo e vontade de mudar alguma coisa aqui dentro, no sofá confortável que arrumamos e de onde eu trabalho com as pernas para cima, dos quartos grandes que vão abrigar mais uma vidinha, da cozinha que parece de casa…
A perspectiva me bateu com força. Não é o “ter”, é o “pertencer” à segurança de um lar e de criar um espaço de amor, troca, aprendizado, acolhimento e conforto.
Não há nada mais confortável do que estar onde você realmente precisa estar.